Vera Spinola
FRAGA, Walter. Longe, Muito Longe: Manuel Benício dos Passos, um capoeira no ativismo do pós-abolição. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2023.
Pessoas que a História não Vê
Acabo de ler Longe, Muito Longe, obra do historiador baiano Walter Fraga. Numa linguagem clara e com muita pesquisa, o texto entretém o leitor do início ao fim, ao desvendar e detalhar acontecimentos e indivíduos que não aparecem nos livros de História, justamente nos anos que precederam e sucederam a abolição e a proclamação da república do Brasil, tendo como fio condutor a vida de Manuel Benício dos Passos (Salvdor, BA, 1866-1898), mais conhecido como Macaco Beleza.
Negro, capoeira, Manuel Benício tinha o dom da retórica como líder de rua. Sem educação formal, mas dotado de uma inteligência diferenciada, empenhou-se com entusiasmo na campanha abolicionista.
Walter Fraga mostra que o golpe militar da república não foi pacífico como nos fazem crer os livros de História. Embora na cidade da Bahia, o povo tenha acolhido sem animosidade a mudança de regime, não houve adesão geral de imediato.
Dentre os monarquistas da classe popular estava Manuel Benício, que liderou um grupo protestando com indignação contra o movimento republicano. Animados com a posição assumida pelo Presidente da Província e pelos integrantes da Câmara Municipal, que no primeiro momento se declararam fiéis ao Imperador, os manifestantes percorreram as ruas da cidade do Salvador, dando morras à República e vivas à monarquia, apedrejando algumas casas na freguesia da Sé, habitadas por estudantes.
Manoel Benício foi retratado por seus opositores como capadócio, homem grande e reforçado, cor de mulato, narinas dilatadas, olhos grandes injetados de sangue, cabelos encarapinhados, trajando apenas calça e camisa, e brandindo uma grande faca, espécie de punhal.
Com descrições marcadas pelo racismo científico que atribuía aos negros características físicas e genéticas “inferiores”, diversos médicos republicanos, a exemplo de Raimundo Nina Rodrigues, que haviam sido abolicionistas, foram transformando os partidários da Monarquia em incapazes de tomar parte no debate político.
O Macaco Beleza tornou-se uma caricatura na crônica jornalística, um sujeito político que deveria ser excluído da cena republicana. Naquele mesmo ano de 1889, acusado de ser o líder dos Capoeiras, foi deportado para Fernando de Noronha, a mando do governador Manuel Victorino, com tantos outros considerados desordeiros e ameaçadores para a ordem republicana.
Através de vasta pesquisa em jornais e documentos da época, Fraga descreve o aparelho de repressão montado pelo Estado Republicano, inclusive o sofrimento e trabalhos forçados a que eram submetidos os Capoeiras em Fernando de Noronha. Macaco Beleza aprendeu a ler nesse presídio frequentando à noite a escola existente.
Fraga faz uma comparação entre Manuel Benício e Antônio Conselheiro, ambos simpatizantes da monarquia, que, apesar das diferenças, foram aniquilados pelo Estado. O massacre sofrido pelos canudenses, sobre a liderança de Conselheiro, também é relatado no livro, quando a Bahia era vista como um estado que abrigava uma concentração de monarquistas.
Nas palavras do autor, Macaco Beleza pertencia a uma geração que depositou grande esperança no fim da escravidão e viveu o suficiente para padecer do desencanto diante de uma realidade muito aquém da imaginada como promessa de nova era. As liberdades eram mesquinhas, excludentes, diante do que os afrodescendentes esperavam.
Depois de voltar de Fernando de Noronha, foi-lhe negado a ocupação de entregador de jornais, que fazia antes da república. Passou a vender bilhetes de loteria e encontrar refúgio na bebida. Macado Beleza morreu com apenas 32 anos no Hospital da Santa Casa, em Salvador, vítima da pobreza e dos espancamentos a que era constantemente submetido.
Longe Muito Longe: Manuel Benício dos Passos, um capoeira no ativismo do pós-abolição
Autor: Walter Fraga
Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2023.
