Villefranche-sur-Mer, Riviera Francesa


Vera Spinola

Outono, outubro 2022. Ao pegarmos o ônibus, Hop on/Hop off, em Nice, Riviera Francesa, descemos em Villefranche-sur-Mer sem muita expectativa. Um ponto de ônibus em lugar alto de onde se avistava o mar. Depois de pedir informação sobre como visitar a vila, descemos uma ladeira bastante íngreme. Paramos para almoçar em um restaurante no meio de uma tortuosa e charmosa viela medieval. Lembro que fomos muito bem atendidos por uma senhora italiana. Continuamos descendo e nos deparamos com uma rua obscura que parecia uma caverna. Entramos e descemos mais. Uma surpresa, uma abertura de onde se visualizava a paisagem marítima. Havíamos chegado à beira-mar. O ponto mais elevado de Villefranche-sur-Mer tem 575 m (Alpes Marítimos) e o mais baixo zero.
A maior surpresa foi avistar, do cais, uma península. Ou seria um cabo? Tratava-se de Saint Jean-Cap-Ferrat, residência do romancista West Somerset Maugham (Paris, 1874 – Nice, 1965). Os romances e contos de autoria dele eram a referência que eu tinha de Cap Ferrat.
Recordei-me dos livros, O Fio da Navalha (The Razor’s Edge) e Servidão Humana (To Human Bondage), lidos na adolescência, bem como Um Gosto e Seis Vinténs (The Moon and The Sixpence), inspirado na vida de Paul Gaugain, quando pude me sentir no Taiti entre os indígenas. Nos contos visitei ilhas nos mares da Ásia, a Índia, a China. Recomendo o belo filme da Netflix “O Despertar de uma Paixão”, inspirado no romance The Painted Veil, o Véu Pintado.
Em Villefranche-sur-Mer, lembrei-me de Larry, personagem de O Fio da Navalha. Aquele que abre mão da estabilidade e conforto à procura da verdade, de um significado para a vida. Dentre suas múltiplas experiências, foi soldado na 1ª guerra, marinheiro em um navio que rumava para a Índia, quando esperava encontrar o nirvana com os monges budistas do Himalaia. É como se buscasse uma utopia nunca alcançada pelo ser humano. Maugham também participa da história, interage com os personagens e observa o comportamento deles. Pude caminhar pelas ruas e bairros de Paris e viajar para lugares distantes, com indivíduos tão diversos. Alguns almejavam um status social elevado, outros o amor, a riqueza, o poder, a fama, a realização pela arte. O norte americano, Elliot, por exemplo, procurava viver na Europa como um nobre aristocrata. Isabel, a noiva apaixonada por Larry, que não está disposta a abrir mão do conforto da vida burguesa, nem dos prazeres mundanos.
Recentemente li Cakes and Ale, que tem Blackstable (Inglaterra) como um dos cenários, onde viveu Maugham, com os tios depois de ficar órfão. Nesse livro faz duras críticas a um escritor muito popular na época. Em um fim de semana, li sem parar uma novela de suspense e muita tensão, At the Villa, que acontece em Florença, Itália.
Dotado de um senso de humor aguçado e de uma vastíssima cultura, Maugham descreve conflitos humanos com ironia fina e sarcasmo, o que diverte o leitor. Seus temas são universais. Não envelhecem. Os personagens procuram uma felicidade inatingível, cada um ao seu modo. Dizia que havia três regras para se escrever um romance. Infelizmente ninguém sabe quais são elas. Não ganhou o Prêmio Nobel de literatura, mas está presente e perpetuado pelos seus milhões de leitores.
O acaso me levou não só a Ville Franche-Sur-Mer, mas a uma viagem pela literatura. Diferentemente de Larry, no decorrer de uma vida de 91 anos Maugham não abriu mão dos prazeres mundanos ao desfrutar do conforto da sua Villa Mauresque, em Cap Ferrat.



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Vera Spinola

E-mail: veramaria737@gmail.com

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