Com Zweig a Caminho de Forbach - uma história de viagem


Vera Spinola

Com Zweig a Caminho de Forbach
Vera Spínola, 13 / 01/ 2023

Em 2012 viajei com meu marido para a Alemanha. Deveríamos encontrar um grupo em Forbach, região da Floresta Negra, sudoeste do país, para fazer trilhas pelas florestas, lagos, castelos e vilarejos.
Antes, porém, passamos alguns dias em Berlim. As visitas guiadas nos levaram a viajar pela história, de Frederico da Prússia às terríveis atrocidades nazistas, e a visitar os restos do muro que separava Berlim Ocidental da Oriental. No museu do Holocausto entrei em uma cabine escura e me olhei no espelho. Ao contemplar minha própria imagem vi Adolf Hitler atrás de mim. Estava sozinha com ele? Senti um arrepio. Pude escutar os batimentos cardíacos acelerados. Saí rapidamente com uma sensação de horror. Dali, fomos ao Museu Judaico. Entrei em uma sala onde o chão não era plano. A ideia era transmitir ao visitante a sensação fuga, de diáspora, de vivência em uma terra sem identidade. Tive dificuldade de encontrar um ponto de equilíbrio. É como se sentem os refugiados em uma terra estranha.
Mas Berlim é também leveza. À margem do rio Spree, encontra-se uma série de restaurantes no bairro de San Nikolai, construído nos moldes de uma vila medieval no pós-guerra, na parte oriental da cidade. Hoje um recanto pitoresco gastronômico.
Depois da temporada em Berlim, partimos de trem para a cidade de Forbach, ponto de encontro do grupo de andarilhos.
Como a viagem seria longa, levei o livro que comprara no museu da Conciergerie, em Paris, Maria Antonieta: retrato de uma mulher comum, autoria de Stefan Zweig, versão francesa. Nota-se que Zweig não chamou a obra de biografia, mas de retrato. Além de descrever acontecimentos, de encaixar dados em uma cronologia, o autor era uma analista de personalidades. Afinal, era amigo e correspondente de Freud. Romanceou sem fugir do rigor histórico. Diz-se que se entregou tanto ao trabalho a ponto de se sentir exaurido.
Enquanto viajava, lia sobre a tentativa de fuga dos reis, Maria Antonieta e Luiz XVI, em julho de 1791, disfarçados de pessoas comuns, em plena revolução francesa. Partiram de Paris do Palácio das Tulherias à meia noite em comboio com numerosas carruagens, o que era bastante indiscreto para quem estava fugindo. Inadvertidamente, membros da corte jogaram garrafas vazias de bons e raros vinhos pelas janelas, levantando suspeitas ao passarem pelo vilarejo de Châlons. Pernoitaram numa estalagem em Varennes. Foi a primeira e única vez que Maria Antonieta penetrou em um ambiente burguês. Até então só vivera em castelos e ali seria apenas um hiato entre os palácios e a prisão. Iriam para a Áustria, país de origem da rainha, mas foram reconhecidos, presos por um jacobino, e levados de volta a Paris. Seriam guilhotinados por crimes de traição, incluindo a tentativa de fuga.
Eu estava entretida no livro, mas ao chegar a Forbach, estranhei ao constatar que falavam francês. Nosso destino seria uma cidade alemã. Que significava aquilo? Será que, motivada pelo livro, fui parar na França? Na telefônica constatei que realmente havíamos chegado à região da Lorraine onde fica Varennes. A fuga dos reis por Varennes inspirou filmes e livros. Ouvi o episódio contado pela minha avó com quem aprendi francês, escutando estórias e estudando História. A realidade se misturava com a história e a literatura. Não entendia mais nada.
Não sabíamos que havia duas cidades com o nome de Forbach, uma na Alemanha e outra na França. A vendedora emitira passagens para Forbach/ França, sem perguntar para qual das duas iríamos.
O sol começava a se por na França. Deveríamos traçar um roteiro de trem para chegar a Forbach na Alemanha. Esperamos duas horas na pequena estação. Felizmente conseguimos comer sanduíches em uma lanchonete que já estava fechando. Não havia mais onde sentar, mas nessas horas as malas servem de assento e o livro, de entretenimento. Finalmente parou um trem com destino a Manheim, Alemanha.
Como não havíamos registrado as passagens no embarque, o funcionário do trem quis nos cobrar uma multa de 50 euros cada um. Quase chorei, explicando ao francês o problema, o qual se comoveu e não cobrou a multa. Diga-se que esse registro de embarque não era exigido na Alemanha.
Em Manheim, no escritório da estação, o atendente, com um sorriso, comentou que havíamos sido vítimas de um erro comum. Não cobrou os novos bilhetes para Forbach alemão, mas os amigos nos avisaram que seria melhor desembarcar em Baden-Baden, aonde nos encontrariam.
Meu marido, muito ansioso, já no trem alemão, pediu que perguntasse aos passageiros se estávamos rumando para Baden-Baden. A jovem passageira me respondeu Ich habe keine Ahnung (não tenho a mínima ideia). Ele observou que um casal idoso, próximo a nós, parecia mais confiável. Perguntei-lhes Fahren wir nach Baden-Baden? (estamos indo para Baden-Baden?). Responderam que sim, que também iriam para lá.
Desembarcamos com o casal e notamos que estávamos em um local pequeno. A senhora, que só falava alemão, confessou que havia se enganado, que nem ela nem o marido sabiam onde estavam. Perdidos de novo! Telefonaram então para uma amiga que veio buscá-los e nos deram carona até Baden-Baden. Já era meia-noite.
Esperamos longos minutos na estação de Baden-Baden, onde os telefones não funcionavam. O uso do celular não era difundido. Não havia whatsapp. Conhecemos ali outra dupla idosa, boêmia, e alegre. Em palavras germânicas revelaram seus preconceitos. Não sabiam que no Brasil havia brancos e estavam chateados porque Baden-Baden estava sendo invadida pelos russos que dominavam os cassinos. Sabiam que o Brasil era o país do carnaval e de mulatas sensuais. Conversa de bêbado.
Depois de várias trocas de modais, chegamos ao Forbach alemão no carro dos amigos às duas horas da manhã.
Dessa experiência aprendi que, ao comprar passagem de trem para cidades pequenas, deve-se assegurar em que país fica. Há cidades de mesmo nome em diferentes países.
Tornei-me leitora assídua de Stefan Zweig que me manteve entretida durante todo o percurso e me inspirou escrever esse poema:
Setembro 2012. 9:00 horas Estação Berlim
Vagão 20. Na mão o livro e a malinha.
Até a pequena Forbach destino fim,
Começo a ler sobre a frívola rainha
Apito. Chacoalho. Barulho
No livro um mergulho
Junho 1791. Meia noite em Paris
Foge família real das Tulherias
Rei Luís de lacaio se fantasia
Antonieta como qualquer Maria
Estação Frankfurt
Apito. Chacoalho. Barulho
No livro, novo mergulho.
Das carruagens caem garrafas vazias
Passam pela pequena Châlons
E chamam atenção pela picardia
Na vila corre boato: quem seria?
Estação Manheim
Apito. Chacoalho. Barulho
No livro, novo mergulho.
Em Varennes passam noite fatal
Rainha primeira vez em lugar banal
Mas jacobino da Assembleia Geral
Muda curso da História e da fuga real
Chegamos a Forbach depois das três
Será que estou sonhando?
Em vez de alemão, falam francês
Em vez do alemão, caímos no Forbach francês
Partindo de Forbach para Forbach.
Às duas da manhã chegamos lá
Família real a caminho da guilhotina
Revolução e muita carnificina
Com apitos, chacoalho, barulho.
E mergulhos,
me Livro.

Não sei do que mais gostei da viagem: flanar em Berlim, caminhar pelas florestas, bosques, e vilarejos da Floresta Negra ou encontrar Zweig na complicada viagem de trem para Forbach.

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Vera Spinola

E-mail: veramaria737@gmail.com

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