O Realismo e a forma Romance. Ian Watt


Vera Spinola

Resenha
WATT, Ian. O realismo e a forma romance. In A ascensão do romance: Estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding. Tradução Hildegard Feist. Cap. 1. Companhia de bolso, p. 5-31, ebook Kindle.

O realismo e a forma romance é o primeiro capítulo do livro A ascensão do romance, no qual Ian Watt questiona em que o romance difere da prosa de ficção do passado, da Grécia, por exemplo, ou da Idade Média, ou da França do século XVII e se há algum motivo para essas diferenças terem aparecido em determinada época e em determinado local. Tenta responder a questão usando como objeto, principalmente, a obra de Daniel Defoe (Inglaterra, 1660-1731), autor do romance The Life and Adventures of Robinson Crusoé; de Samuel Richardson (Inglaterra, 1689-1761), do romance epistolar Pamela; e de Henry Fielding (Inglaterra, 1707, Portugal 1754), do romance satírico Tom Jones.

Tanto na literatura grega quanto na visão escolástica da Idade Média, as verdadeiras “realidades” eram universais, baseadas em crenças e mitos. Os enredos da epopeia clássica e renascentista originavam-se, geralmente, na História, na mitologia, na fábula. O autor era avaliado segundo uma concepção de decoro derivada dos modelos aceitos no gênero (tragédia, comédia, conto de fadas, epopeia, etc.).

Embora desde o Renascimento houvesse uma crescente tendência a se substituir a tradição coletiva pela experiência individual, é com o romance realista do século XVIII que essa tendência se acentua, ao se adotar como objeto o cotidiano de um indivíduo, sua percepção sensorial do mundo externo. Como a experiência individual é sempre singular, comparado à tragédia ou à ode, o romance parece amorfo, isto é, sem uma forma rígida. Segundo Watt, a pobreza de suas convenções formais seria o preço do seu realismo. Em outras palavras, o método narrativo incorpora uma visão circunstancial da vida, não universal, que pode se chamar realismo formal.

Enquanto na Idade Média o termo “original” significava o que existiu desde o início, no romance é entendido como um caráter ou estilo diferenciado. Inaugura-se assim um tipo de enredo que tem como modelo a memória autobiográfica. O diário íntimo e a carta são algumas de suas fontes. O enredo envolveria pessoas específicas em circunstâncias específicas, e não, como anteriormente, tipos humanos genéricos.
Watt recorre ao realismo filosófico ao observar que Aristóteles talvez concordasse com a premissa básica do filósofo inglês John Locke (1632 – 1704), segundo a qual os sentidos são “os primeiros a introduzir ideias particulares e a abastecer o armário vazio” da mente, mas infere que Aristóteles teria prosseguido, colocando verdades universais como realidade definitiva e imutável, abordagem oposta à da forma romance.

Watt dialoga com a pintura, ao mostrar que a obra do holandês Rembrandt (1606 – 1669) no século XVII não segue o ideal poético, mas retrata os indivíduos no cotidiano de trabalho, caracterizando o ambiente. Em outras palavras, o realismo já estava presente na pintura.
O papel do tempo na literatura antiga, medieval e renascentista, na análise de Watt, difere muito do que é tempo no romance. Por exemplo, na tragédia a ação é restrita a 24 horas. Na tragédia, na comédia e na narrativa, o lugar era tradicionalmente quase tão genérico e vago quanto o tempo. Defoe parece ser o primeiro dos escritores ingleses a visualizar o conjunto da narrativa como se esta se desenrolasse num ambiente físico real. Escrito na primeira pessoa, como um diário, o protagonista do romance de Defoe, Robinson Crusoé, começa a história dizendo que nasceu em Nova York em 1632 e termina por volta de 1694, quando continua viajando pelo mundo, dizendo que vai dar conta da segunda parte de sua história. Vale lembrar que passou uma temporada em All Saints’ Bay (Baía de Todos os Santos), onde viveu em um aningenio (como o personagem chama engenho) e teve uma plantação de fumo, antes de partir e naufragar na ilha deserta. Através das impressões do personagem, Defoe descreve o contexto sócio econômico do Brasil colônia, especificamente da Bahia no século XVII, e de outros lugares onde Robinson viveu, dentro de uma cronologia.
Segundo Watt, a busca da verossimilhança levou Defoe, Richardson e Fielding a iniciar aquele poder de colocar o homem inteiramente em seu cenário físico. Daí quanto melhor se expressarem os sentidos do indivíduo (visão, audição, olfato, gosto e tato), maior a verossimilhança.

Para responder a questão sobre o motivo pelo qual a concepção de romance surge no final do século XVIII vale lembrar que a história passava por grandes transformações, como a revolução francesa e a independência dos Estados Unidos em 1776. Tanto os ideais da revolução francesa quanto os da constituição norte-americana valorizavam o indivíduo. Watt refere-se aos romancistas Balzac (1799-1850) e Stendhal (1783-1842) como expressões do individualismo na literatura francesa, e ao filósofo francês do século XVII, René Descartes (1596-1650), cujo método contribuiu para a concepção moderna de busca da verdade como uma questão inteiramente individual.

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Vera Spinola

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