Vera Spinola
Eva tinha 30 anos, vivia em Belo Horizonte com Marcelo. Ela psicóloga, ele médico cardiologista. Namoraram dois anos estavam em união estável há três. Ultimamente ele dava muitos plantões, que eram bem pagos. Assim poderiam comprar um apartamento. Planejavam um filho.
Duas semanas antes do carnaval ele a chamou para tomarem um café em um aconchegante local no bairro. O aroma de café era convidativo. Sentaram-se na única mesa vaga em um canto. Os clientes conversavam animadamente, ao som de marchinhas de velhos carnavais. Apesar do barulho, com esforço, conseguiam conversar, entre goles de capuccino e mordidas de pão de queijo. Depois de falarem as banalidades do dia a dia, ele perguntou como ela se sentia com ele. Ela respondeu que gostava dessa vida estável e que se realizaria se tivesse um filho. Ele enrubesceu, franziu a testa e pareceu preocupado. Depois de alguns segundos de silêncio, confessou que nos plantões conhecera uma médica por quem se apaixonara. Com muita dificuldade, gaguejando falou “eu que quero me separar”. Foi um choque para Eva. Não esperava por isso. Sentiu-se sem chão. Sentiu os olhos se umedecerem e o gosto salgado das lágrimas ao ouvir a marchinha “Um pierrô apaixonado que vivia só cantando, por causa de uma colombina, acabou chorando, acabou chorando”.
Melancolicamente, voltaram para casa. Marcelo procurava consolar dizendo que ela era jovem que encontraria outra pessoa, que entraria em novo ciclo de vida. Sugeriu que Eva fosse passar o carnaval na Bahia na casa da prima Alice.
E assim ela ligou para a prima, comprou a passagem de avião e embarcou para Salvador com o coração apertado. Sentia um nó na garganta. Não conseguia se interessar por nada. No avião sentou-se ao lado de uma senhora muito falante. Não estava a fim de conversar, mas as lágrimas começaram a escorrer pelo rosto. A senhora perguntou: “você está sentindo alguma coisa?” Não resistiu e contou sua história. Como havia conhecido Marcelo, os planos e a separação eminente. Sentiu-se mais aliviada. A senhora recomendou que aproveitasse o carnaval, que deixasse para resolver sua vida depois da folia. Mostrou no celular o calendário do carnaval.
Eva falou que tentaria participar. Alice a esperava no aeroporto. Depois de se abraçarem, no caminho de casa contou detalhes do problema que estava atravessando. A prima então falou dos planos para o carnaval. Deveriam começar jogando flores para Iemanjá na praia do Rio Vermelho.
O apartamento de Alice ficava no bairro da Barra, no meio do carnaval. Depois de se instalar Eva tentou descansar. Estava cansada fisica e psicologicamente, pois havia tomado um voo noturno. Não conseguiu. O som dos batuques não deixava.
No dia seguinte, 2 de fevereiro saíram cedo caminhando pela orla, da Barra até o bairro do Rio Vermelho para jogar flores para Iemanjá. Sob um calor escaldante, no meio de uma multidão que exalava suor e cerveja, começou a chover. Imediatamente uma banda tocava Chuva, Suor e Cerveja do Caetano. O nó na garbanta não se desatava. Mesmo assim jogou flores no mar pedindo força e bom senso para enfrentar o que viesse. Não parava de pensar em Marcelo. Questionava-se o que a médica tinha que ela não tinha.
Nos dias seguintes participaram das diversas atrações, do Fuzuê, do Furdunço, da Melhor Segunda-Feira com Xanddy Harmonia, do desfile das tradicionais bandinhas no circuito Sérgio Bezerra (Farol-Morro do Cristo). Dia 8 de fevereiro foi a abertura oficial do carnaval com o encontro dos trios de Ivete Sangalo, Carlinhos Brown, Baiana System e Ilê. Alice lhe emprestou um tênis velho, mais adequado segundo a prima para andar na rua.
Presenciou uma das cenas mais comentadas. De um dos trios, a cantora que se tornou evangélica, Baby do Brasil (antes era Baby Consuelo) gritou para Ivete “Todos atentos que entramos em apocalipse”. Ao que Ivete retrucou: “Vamos macetar o acopalipse”. Baby pediu que Yvete cantasse Minha Pequena Eva, que na realidade é o hino do apcalipse. Psirico mandou Baby tomar remédio.
Eva acabou entrando no clima quando passou a banda Eva de Ricardo Chaves tocando “Eu vou, eu vou, eu vou no Eva...no Eva”. Encharcada de suor, chuva e cerveja, tropeçou, sentiu que o solado do pé direito do tênis velho havia se descolado. Perdeu-se da prima. Lembra-se de uma gostosa língua se roçando a sua. Deixou-se levar. Estava em um apartamento com um estranho que tirou sua roupa. Os corpos se acoplaram. Ela perguntou: “onde estou? Quem é você?” Respondeu que se chamava Adam. O apartamento era grande. Havia fotos de família. Ele lhe disse que seria melhor voltar para casa. De-lhe dinheiro e a colocou em um taxi. A aurora bruxuleava. O céu estava ficando suavemnete escarlate.
Foi relembrando os acontecimentos no taxi no caminho do apartamento de Alice.
Encontrou a prima desesperada, pronta para dar queixa na polícia.
Eva lhe contou resumidamente o que havia acontecido. Estava ansiosa para identificar Adam no Facebook ou Instagram. Procurou com as mãos trêmulas. Os Adams encontrados não se pareciam com ele.
Bebeu muita água, tomou um banho frio e tentou dormir. Sim, a aventura havia sido gostosa. Mas o homem escapara. O carnaval não resolveria seus problemas. Sentiu um nó da garganta. Perguntou a prima o que fazer nos próximos dias de folia.
Alice respondeu: “use o tênis novo”.